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Foto do escritorLuciana Garcia

19 de Agosto, DIA DO ARTISTA DE TEATRO


Atores aplaudem e agradecem ao final do espetáculo
Foto: Thiago Ristow - Espetáculo Perdoa-me por Me Traíres (Nelson Rodrigues) 2009 - Sala Oduvaldo Viana (UFRJ) - Direção Michelle Ferreira

Que doença é essa de ser ator? Será que alguém já estudou essa patologia?O ator é um ser masoquista, que tem uma capacidade imensa de amar e de se doar de maneira ímpar. Por suas personagens, por uma pessoa que não existe, em prol e em amor à ela, é capaz de esquecer-se de si, de tornar-se inteiramente outro. Expõe-se ao escrutínio público, a todo tipo de crítica e desaforo. Tudo para tão somente dar vida à outro. Tudo para mostrar ao mundo o que se esconde por detrás das atitudes irascíveis da humanidade.

Hoje, 19 de Agosto, é dia do ator de teatro. Aos meus, rendo esta singela homenagem. Ator de teatro: profissão em extinção. Será?! Em conversa com meu querido amigo e eterno diretor (trabalhamos juntos em Flores na Cabeça - Vida e Fotografia, monólogo que escrevi e atuei em 2018) Alcides Peixe – grande artista! - , falávamos sobre o quão maluco o mundo está se tornando. Com o avanço da tecnologia as interações sociais estão cada vez mais raras - e esse é o futuro.



Então imaginávamos que, num futuro não muito distante, ir a um espaço para “olhar cenas ao vivo” será um artigo de luxo.

Então imaginávamos que, num futuro não muito distante, ir a um espaço para “olhar cenas ao vivo” será um artigo de luxo. Escondidos por trás da tecnologia, nossas vidas hoje estão sendo resumidas à telas, à imagens virtualmente dispostas do que entendemos por humano. No momento em que estivermos completamente descolados, no tempo e no espaço, de uma vivência analógica como a que conhecemos por realidade até os anos 80, talvez o trabalho do ator seja finalmente valorizado. Talvez a humanidade entenda, só aí, o quão valioso e rico é este ofício, que nos propicia, da plateia, sentir as mais diversas emoções sem a necessidade de arriscar-se cometendo atos extremos. E ao vivo, sem cortes, sem edição. Permitindo a cada um que participa como expectador uma experiência única e intransferível, que é incapaz de ser reproduzida em sua grandiosidade por qualquer coisa conhecida até então.

Sem me estender demais, passo a palavra ao grande, ao genial, ao cirúrgico e póstumo dramaturgo Plínio Marcos:


O Ator - Plínio Marcos, 1986


"Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o bastante para fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave no qual ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu em sua vida.Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos nos quais não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e os autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator.


O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.


Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele, como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem tem. E amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado.


Eu amo o ator que se empresta inteiro para expor para a plateia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de que seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor, que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor. Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos – é a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica".


Faço minhas, mestre Plínio, as suas palavras. Amigos atores, feliz dia. Que um futuro melhor nos espere.


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