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Foto do escritorLuciana Garcia

A maternidade atípica é um fracasso de bilheteria




Como se parecem as mães atípicas quando você pensa nelas? Mulheres cansadas, descabeladas? Mulheres humildes e raivosas, desesperançadas, aguardando por algum tipo de atendimento em filas imensas? Mulheres envelhecidas e fora de forma, usando vestidos florais de baixo custo com crianças ranhentas no colo? Se você marcou “x” em alguma dessas descrições, segura que esse artigo é pra você (e fica tranquila porque ele é pra mim também, não vou te julgar, tá?!).

 

Quando eu recebi o diagnóstico da minha filha, ainda no primeiro exame morfológico antes dela nascer, a imagem que eu tinha de uma mãe atípica era exatamente essa que eu descrevo aí em cima. E sim, eu me sentia perdida, porque não conseguia me identificar com o estereótipo da mãe atípica. Até que esses tempos encontrei uma amiga (também mãe atípica) que estava me contando sobre os desafios com o filho e comentou que quando ele teve consciência do própria condição, falou: nunca mais me deixe sozinho com “esses aí”. Então, com toda gentileza do mundo ela me disse: eu também, quando me descobri mãe atípica, não me identificava com “essas aí”. Naquele momento, eu pude compreender o tamanho do meu preconceito. Um preconceito que está para além da deficiência.

 


O meu incômodo estava no lugar de ver que talvez aquelas mulheres (...) estavam chegando no seu limite

Quando eu olhava para uma mãe atípica padrão, aquela aflição, aquele desespero, dizia muito mais sobre mim do que sobre ela. Uma mãe – qualquer mãe – faz tudo que pode (e o que não pode) pelo seu filho. O meu incômodo estava no lugar de ver que talvez aquelas mulheres que tanto me causavam desconforto fossem pessoas que estavam chegando no seu limite – e que pouco (ou nada mais) pudessem fazer pelo desenvolvimento de seus filhos. Entendi que o que me incomodava naquelas mulheres não era a sua aparência física, a sua classe social, mas o seu esgotamento. Esse lugar da imobilidade, esse lugar da prostração é um lugar que me aflige e não de hoje. Sempre fui uma pessoa muito inquieta.


Eu sempre digo que “dá pra fazer” (mesmo que eu não faça a mínima ideia de COMO). Porém, na maternidade, eu venho percebendo que por mais que a gente faça, por mais que a gente busque abrir os caminhos, a caminhada de um filho é uma jornada solo. E o nosso papel como mãe é muito mais nas coxias do que no palco.


Confesso que ultimamente ando bem desconfortável com o envelhecimento e com uma dificuldade incrível de lidar com isso. Como atriz, sempre me debrucei nas questões humanas de uma forma geral e a relação do homem com a finitude é algo que me atrai em particular. Ver uma pessoa lutando com suas crenças e desejos é algo muitíssimo interessante e curioso: no palco. Estar encarnado no lugar do indivíduo que passa por tudo isso é o inferno na terra.



É terapêutico morrer de quinta a domingo e ter uma vida normal de segunda a quarta

Ninguém quer viver a vida da mãe atípica. O seu papel na sociedade é observado de longe, de maneira voyeurística. Talvez por isso o teatro seja tão interessante. É terapêutico morrer de quinta a domingo e ter uma vida normal de segunda a quarta – ainda mais com plateia lotada.


No meu podcast Conversas Atípicas eu falo sempre que a gente precisa preparar os nossos filhos para o momento após a nossa partida. E enquanto esse momento não chega, a sensação é de que ficaremos aqui, nos debatendo como um último ato do Lago dos Cisnes que nunca acaba. E nessa suposição delirante, em cada batida de asas tenho o vislumbre da mãe atípica do início desse artigo – o que torna tudo ainda mais apavorante. Ser mãe atípica é padecer. O paraíso não nos reservou cadeira alguma.   


Ser mãe atípica é padecer. O paraíso não nos reservou cadeira alguma   


Ser mãe atípica não é uma benção. Não somos iluminadas e tampouco recebemos esse papel porque somos fortes, guerreiras ou algo do gênero. E que fique claro que nossos filhos são tão amados e desejados quanto quaisquer outros.Somos apenas mulheres que, como toda mãe que se preze, buscam fazer o máximo pelo filho. Quando eu vejo uma mãe atípica padrão hoje, percebo que meu desconforto não está na figura dela, mas em tudo que a sociedade me falou a vida toda sobre ser esta mulher.


Não queremos aplausos, nem condolências. O nosso único pleito é o do respeito pela singularidade de cada indivíduo. Por oportunidades para que cada um possa exercer a sua expressão no mundo com propriedade. E isso cansa, cansa muito. O estereótipo da mãe atípica é um reflexo do quanto a sociedade se nega a olhar para o diferente. A mãe precisa ser bela, incansável, forte - o tempo todo. Uma sociedade adoecida onde não há espaço para o cansaço, para o diverso, para a livre expressão. A mãe atípica é um desconfortável espelho disso tudo.

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