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Foto do escritorLuciana Garcia

Alice no país do desaniversário

Atualizado: 7 de ago. de 2020


Às vezes grande demais, às vezes pequena demais... sendo rejeitada, engolida ou tão diminuta que passa incólume e despercebida por frestas e fechaduras. Alice in the Wonderland? Não... uma atriz, qualquer atriz. Eu mesma. Já reparou que pessoas que trabalham em tevê e teatro tem distúrbios alimentares, mais do que na maioria das outras profissões? Pois é.


SPOILER ALERT: se você quer ser ator e está mergulhando nessa toca de coelho, este texto traz verdades de difícil digestão.


Diferentemente de qualquer outra profissão, o ator quando começa um trabalho, ele começa do zero. Você ganha um Oscar por interpretar uma determinada personagem num filme e não por isso o seu próximo filme vai ser incrível. Porque não é um prédio que você tá levantando, é uma pessoa. E pessoas são muito diferentes, e tem características muito próprias. Então você sempre começa do zero. O ator bom, aquele ator que sabe o que está fazendo, ele não se calça em coisas que já usou numa outra personagem. (Bom, essa é a história que eles contam pra você).


Quando eu estava estudando teatro, ou mesmo quando já debruçada na carreira, fazendo trabalhos profissionais, sempre me diziam que eu precisava ir além. “A autossuperação precisa ser o sobrenome do artista”. Então nós atores somos constantemente pessoas inseguras, cheia de dúvidas (Alices do outro lado do espelho) - que dá muita atenção aos conselhos de lagarta em relação ao seu trabalho, a tudo que você pode ser e não é.



E essa insegurança – que é fundamental para que se obtenha algum progresso na sua arte dramática – ela faz com que você alimente uma espécie de síndrome de Zé Ninguém. Você nunca é bom, você nunca é capaz, você nunca está pronto. E você ouve isso muito. Eu ouvia.O ator é o sujeito que recebe mais nãos durante toda a sua vida. Eu, que era considerada alguém que fazia muita publicidade, penso que tinha uma média de 1 sim

a cada 15 testes. O curioso é que esse não, não é um simples “seu trabalho não

é suficiente” é um não para VOCÊ. Porque é muito difícil descolar a sua imagem do seu trabalho. E você ouve muitos “você é ótima atriz, mas é muito velha para o papel” ou “tem os olhos muito pequenos”, ou o “cabelo muito curto”, ou qualquer desculpa que possa fazer com que você desapareça da frente de quem está contratando. 99% das vezes, os agentes e produtores não se dão nem ao trabalho de te dar um retorno sobre

o encerramento ou não da seleção. Foda-se você. Literalmente.


E assim, você vive num vácuo infinito de castings em aberto - que você só vai saber (por alto) o que aconteceu quando vir o material no ar, com uma pessoa completamente diferente de você no papel. Nessa hora eu pensava: porque me chamaram pra fazer o teste? Se queriam alguém nesse perfil, porque me fizeram perder meu tempo? Talvez eles nem soubessem o que queriam, ok.Eu fazia o que fosse possível para me encaixar. Mas encaixar não é pertencer. E quando mais esforço eu fazia pra me encaixar, mais me sentia distante de mim mesma, da minha essência. Porque a Luciana raiz é aquela que dá risada mostrando a gengiva. É aquela que gosta de pintar o cabelo de várias cores, e as unhas do pés diferente das mãos. Mas não podia fazer nada disso, porque tinha que sempre “estar pronta” para o papel. Como se Alice fosse uma só.


Nessa brincadeira de “estar pronta” de seguir a tendência, como um coelho correndo com seu relógio na mão, você começa a achar defeito em si mesma para justificar o seu não-estouro em rede nacional ou a ausência de um urso de prata na sua prateleira. E depois de revisar o seu visual, o comprimento e a cor do seu cabelo, estilo de interpretação, postura no teste, tipo de sorriso, formato do nariz, distância entre o lábio superior e a gengiva, etc, etc, etc, você começa a olhar para o seu peso. Talvez essa seja uma justificativa satisfatória para o seu insucesso. Todos, todos, sempre tem um comentário pontual para fazer a respeito do seu peso, do seu tônus muscular, da sua bunda. Cooortem-lhe a cabeça!



Olhar pra essa insanidade com preocupação e seriedade parece ser algo bastante pertinente, já que a sua imagem faz parte do seu trabalho. Loucura. Hoje, depois de 22 anos de trabalho no meio artístico, tendo chegado aos meus míseros 33kg aos 30 anos

de idade, colecionado vários acontecimentos marcantes na minha (falecida) carreira, digo categoricamente: não vale a pena.


Valetes, parem! Parem de pintar as rosas.

Esse encaixe, esse remendo provisório que você faz na sua alma pra acomodar todo

o desconforto de não poder “ser” sem ser julgado pela sua aparência, não vale. Encaixar. Quando penso na etimologia dessa palavra, lembro que encaixar vem de caixa. O que cabe em caixas são objetos, não pessoas. Pessoas não foram feitas para viver em caixas, ou em frascos de remédio. Por isso o sofrimento, por isso a dor. Hoje, saio da caixa. Nela, guardo toda a experiência desses anos todos. Não posso me desfazer da caixa.

Ela é minha história, ela me pertence. Mas eu não pertenço a ela – e entender isso,

foi meu grande aprendizado.

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