Ando sumida daqui porque ando sumida da vida.
Após uma gestação imensamente desafiadora finalmente me tornei, aos olhos do mundo, a mãe da Maya. Aos olhos do mundo porque ela já habitava os nossos corações e a nossa mente há mais de dois anos. E após uma perda repentina do seu irmãozinho potencial, finalmente ela chegou pra ficar. Hoje ela está com 2 meses de vida. Dois meses e dezessete dias. Longos 77 dias em que estamos correndo de um lado para o outro e em torno dela. Maya nasceu com um problema cardíaco chamado DSAVT (defeito do septo atrioventricular total). Na prática, seu coração é totalmente ligado internamente e o sangue se mistura todo dentro dele. Desta forma, o coração manda 4x mais sangue para o pulmão do que para o resto do corpo. Ela fica extremamente cansada pelo simples fato de mamar. Está se alimentando por sonda e precisa fazer uma cirurgia corretiva que vai acontecer na próxima segunda.
Apesar dos seus quase 2 cm de comunicação num coraçãozinho assim tão pequeno, o seu problema não é algo raro e a cirurgia tem altos índices de sucesso. Maya está sendo muito bem cuidada, por uma equipe extremamente competente e amorosa, no Hcor em São Paulo. Mas ainda que tenhamos em nosso coração a certeza de que tudo acabará bem, pensar em um filho tão pequeno passando por tudo isso faz abrir um buraco no chão a nossos pés.
Descobrimos a sua cardiopatia com o ultrassom do segundo trimestre da gestação. Ainda que tenha tido tempo suficiente para “assimilar a pedrada”, nada te prepara para um evento como este.
E tudo ao seu redor, e tudo que você viveu até hoje, começa a se tornar pequeno. De repente, falar sobre anorexia não tem mais razão de ser. Falar sobre comunicação e criar cursos online para capacitar profissionais não tem mais razão de ser. Só Maya importa.
Quando eu era mais jovem (porque sim, eu ainda sou jovem), eu achava uma babaquice esse negócio de gente que fala que seu filho é a coisa mais importante do mundo, que abre mão de qualquer coisa pela cria. Achava isso muito exagerado. Realmente é preciso viver para crer.
Apesar de todos os desafios, a força da Maya é algo incrível. Ela suga, agarra, olha, chora, com uma intensidade que não é compatível com a hipotonia*. Ela é uma guerreira.
Mas quando arranca a sua sonda e precisa que a reintroduzam (utilizando apenas um pouco de xilocaína no tubo), eu choro duas vezes mais do que ela. Meu coração se aperta todo e fico quase sem conseguir respirar. Preciso sair da sala, tão difícil que é vê-la passar por isso. Estou tentando manter a racionalidade, para sofrer menos. Sei que depois de segunda-feira, teremos uma outra maratona pela frente. Depois da cirurgia a previsão de UTI é de 10 dias, se não houver intercorrências. Ela sairá entubada e cheia de drenos, mais ou menos como o Neo quando acordou da Matrix. Então a primeira coisa é extubar (o que pode acontecer imediatamente ou em 3 dias). Aí depois de extubada tem um tempo de drenagem do pulmão e à medida que vai "secando" vão tirando os drenos. Vai ter também um fio para marca-passo externo, que eles deixam por precaução, em caso de emergência. É a última coisa que sai. Então, estando livre disso tudo, ela desce pro quarto. Nessa fase começa a introdução (aos poucos) da alimentação via oral e vai diminuindo a ingestão de dieta via sonda, até cessar completamente. Quando ela estiver comendo 100% pela boca (na mamadeira) aí tira a sonda. Nessa momento a gente tenta introduzir novamente o peito e temos alta. Então temos aí mais uns 20 dias pela frente.
Quando ela receber alta, estaremos comemorando 100 dias de Maya. E apesar de tudo que estamos vivendo em virtude da condição dela, serão 100 dias de uma alegria sem precedentes. É preciso viver para entender. Só as mães sabem.
* Hipotonia é uma característica de fraca tonicidade muscular generalizada, que normalmente acomete crianças nascidas com a trissomia do cromossomo 21 – que é o caso da Maya.
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