Um dia, eu desmaiei de manhã no meio da aula. Quando eu acordei, já no hospital, o médico me perguntou se eu havia comido alguma coisa naquele dia. Eu tinha comido metade de uma empadinha. Quando eu cheguei na escola, a cantina estava abrindo e aquele cheiro da empada entrou com tudo na minha narina, eu não consegui resistir. Comi metade. Metade. Então o médico me disse que eu agradecesse à meia empadinha o fato de eu estar viva e bem, pois o resultado do meu hemograma era equivalente ao de uma pessoa em jejum há 2 dias. Eu poderia ter tido um AVC. Eu poderia ter morrido, ou ter ficado sequelada pro resto da vida. Então me veio o peso da irresponsabilidade do que eu estava fazendo comigo mesma. Naquele dia eu tomei um susto e então decidi procurar ajuda. Eu comecei a fazer terapia e a tomar remédio pra abrir o apetite. Hoje eu não sinto mais fome. Acho que nunca mais vou sentir. Aquela coisa de estômago roncando, não mais. Eu tenho dor de cabeça e essa dor me avisa que passou da hora de me alimentar. Foi muito difícil voltar a comer. Mas eu voltei, porque eu entendi que de uma forma ou de outra, pra existir aqui no mundo real, a gente precisa ocupar um lugar no espaço. Às vezes a gente ganha peso na tentativa de ocupar um lugar que dentro da nossa mente a gente não ocupa, então nós passamos a querer, inconscientemente, a qualquer custo, ocupar esse lugar. E a magreza, a anorexia, é uma perversão dessa ideia. A anorexia é o teatro da voracidade. Uma maneira perversa de pedir pro universo satisfazer as suas vontades. Você pensa: se não for do meu jeito, então não vai ser de jeito nenhum. E vocês vão ver agora o grande espetáculo, que será o meu desaparecimento. Por sorte eu entendi a tempo que o peso e a leveza fazem parte da vida. Viver bem é saber viver em equilíbrio com esses dois extremos. A anorexia é uma vontade animal de comer a morte, de transcendê-la. Mas a vida não pertence a quem diz não. A vida é de quem diz sim, de quem se ferra e vai lá de novo. E tenta, e tenta e se reinventa. A vida é de quem come terra e levanta. A vida pertence a quem come, a quem pesa, a quem ocupa um lugar no espaço. Estou tentando me apropriar do meu. É difícil e ao mesmo tempo confuso aceitar esse lugar, a boa notícia é que pra todo mundo é assim. A vida é inconstância, mas é equilíbrio também.
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