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Foto do escritorLuciana Garcia

Trajetória de um desaparecimento

Atualizado: 3 de set. de 2020

Como a minha vida virou de ponta cabeça com a Anorexia.


Sempre fui atleta. Nunca tive problemas com o meu peso e era bem desencanada com essa coisa de aparência física. Em 2008 eu já trabalhava como atriz no Rio de Janeiro e estava batalhando muito para conseguir me manter na carreira apenas fazendo isso. Ensaiava duas peças teatrais ao mesmo tempo e fazia participações periódicas num seriado da Record. Foi então que me chamaram pra ser apresentadora de um programa de TV desses que você liga pra participar e ganhar um prêmio em dinheiro. Eles me prometeram participação nos lucros e a perspectiva de faturamento era incrivelmente boa.


Seria a minha grande chance de juntar uma boa quantia em dinheiro que me permitisse parar de fazer bicos que não tinham nada a ver com a carreira artística.

Naquele momento pensei que aquela seria a minha grande chance de juntar uma boa quantia em dinheiro que me permitisse parar de fazer bicos que não tinham nada a ver com a carreira artística e me dedicar só a isso. Ia ser dificílimo conciliar o seriado com o ensaio das duas peças e ainda a gravação desse programa, que ia ao ar de segunda a sábado. Mas pensei que valeria a pena fazer um esforço e dar uma atrasada aqui, outra ali, pra conseguir manter todos os meus compromissos. Foi então que no primeiro dia de gravação o diretor olhou pra mim e disse: “você tá gorda. Você precisa perder uns 6 quilos até dezembro, se não não vai rolar”. Tenho 1.63 de devia estar pesando uns 57 quilos na época. Era meados de outubro.


Eu ainda não estava ganhando dinheiro com teatro e as participações no seriado não me permitiam ter uma vida de luxo. Além disso, me perguntava: que horas eu vou fazer dieta? Exercícios? Me alimentava comendo um pastel dentro do ônibus enquanto ia de um compromisso ao outro. Foi então que procurei uma médica que diante da minha insistência me receitou anfepramona* numa proporção absurda. Eu comprava numa farmácia no meu CPF e mandava manipular no CPF de outra pessoa segundo orientação da própria médica. Enquanto estava tomando os comprimidos me sentia ótima, disposta, dormia 2 horas por noite e já era o suficiente. Comia e não engordava, uma maravilha.


Quando chegou janeiro, eu já tinha perdido 10 quilos e falei pra ela do meu desejo de parar de tomar o “remédio”. Foi então que ela me disse que eu poderia perder mais uns 3 quilos ainda, e não me orientou sobre como fazer o desmame da medicação. Quando meu namorado tomou conhecimento da quantidade de remédios que eu tomava, ele jogou tudo na privada. Mas o que era pra ser uma coisa boa teve um efeito contrário. Tive uma síndrome de abstinência horrível e desenvolvi o pânico em consequência. Sentia uma dor tão forte no peito, que a ideia de me matar era melhor que continuar sentindo aquilo.



O fotógrafo me chamou num canto e falou que eu estava doente, que era a primeira pessoa na carreira dele que ele precisou engordar no Photoshop.

Era como se as minhas costelas estivessem se fechando e espremendo todos os meus órgãos. A minha sensação era de que o coração ia literalmente sair pela boca. Nesse processo eu não percebi que estava parando de comer. Eu tomava um shake desses de emagrecer de manhã, comia uma maçã no meio da tarde e à noite um pão sírio com uma fatia de queijo e uma rodela de tomate. Às vezes nem isso. Além disso, só água, coca zero e café, muito café. As pessoas diziam que eu estava magra e aquilo pra mim era um elogio. Quando vinham dizer que eu estava magra demais eu achava que era inveja. Me sentia bem com aquela magreza. Com os excessivos comentários com relação a minha aparência, comecei a me encher de roupas para disfarçar. Acabei saindo do programa de TV e quando as peças saíram de cartaz eu já não estava conseguindo decorar um texto.


A minha memória estava totalmente prejudicada, o cabelo caindo e eu afundada numa depressão horrível. Fiz um ensaio fotográfico com um profissional de moda que me chamou num canto e falou que eu estava doente, que era a primeira pessoa na carreira dele que ele precisou engordar no Photoshop. Quando eu vi as fotos a minha ficha começou a cair, mas aquilo não foi suficiente para eu tomar uma atitude. Já estava passando uma média de 4 dias só a base de líquido e não conseguia colocar nada na boca, a comida não chegava no estômago, me sentia péssima. Precisei fazer um tratamento para depressão antes de começar a voltar a comer.


Cheguei a pesar 33 quilos. Tinha hipoglicemia constantemente e uma vez desmaiei no meio de um ensaio e fui levada ao hospital. Quando acordei, o médico me perguntou se eu havia comido algo. Coincidentemente, naquele dia, além do shake eu havia comido uma empada. Ele me disse então que o meu hemograma era compatível ao de uma pessoa que não se alimentava há 2 dias. Eu poderia ter tido um AVC e ficar com sequelas para o resto da vida. Aquilo me assustou.


Só então resolvi fazer alguma coisa a respeito daquilo. Comecei a pedir para as pessoas sentarem na minha frente e conversarem comigo na hora do almoço, para me ajudar a comer. Mesmo assim não conseguia dar mais que duas garfadas num prato de arroz com feijão. Recorri a um xarope infantil de abrir o apetite e comecei a ingerir tudo que fosse extremamente calórico. Colocava despertador pra comer de duas em duas horas. Aos poucos, meu estômago foi voltando ao tamanho normal e eu consegui voltar ao meu peso de sempre, que era 54kg. Já fazem 4 anos que eu estou com esse peso. Tive apenas duas recaídas - mas agora já estou esperta. Não entro mais na onda da doença. Como dizia Nietzsche, se a gente olha muito pro abismo, ele olha pra você também.


O sorriso na foto acima esconde toda a dor e sofrimento dos momentos fora das câmeras.


*Anfepramona teve sua venda proibida no Brasil em 2011 pela Anvisa e deixou de ser comercializada por seus efeitos colaterais desastrosos e alto poder de dependência química.


📸 1) designed by pvproductions/freepik; 2) Sérgio Baia


continua nos próximos...


136 visualizações1 comentário

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1 Comment


elainesantos_221998
Aug 28, 2020

Que história,hein!Você é forte,Luciana...Mas forte do que imagina.Que orgulho sinto de você.


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